A audiência se deu através da Comissão de Legislação Participativa e trouxe à tona os problemas dessa proposta
No dia 8 de maio foi realizada a primeira audiência na Câmara dos deputados em Brasília para discutir a PEC 45, (Proposta de Emenda Constitucional), que foi recentemente aprovada pelo Senado, mas que ainda precisa tramitar na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ) da Casa, que analisa a admissibilidade da proposta, ou seja, verificar se o texto da PEC viola a Constituição Federal.
O debate se deu através da Comissão de Legislação Participativa solicitada pelo gabinete da deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) e contou com a participação de associações, coletivos antiproibicionistas, OAB (ordem dos Advogados do Brasil), Fórum de Segurança Pública e outros representantes da sociedade civil organizada e do Estado, que em sua maioria denunciaram a inconstitucionalidade e arbitrariedade da PEC 45.
“O debate foi muito importante para trazer à luz os problemas da aprovação desta PEC. No final da audiência, o deputado Chico Alencar informou que o relator da PEC na câmara dos deputados, Ricardo Salles, fez um requerimento na CCJ para a realização de uma Audiência Pública para debater a Proposta de Emenda à Constituição nº 45/2023. Porém, será num cenário com a presença de deputados conservadores e favoráveis à PEC, temos como grande desafio a mobilização de organizações da sociedade civil organizada para participar da audiência e a FACT vai pleitear um espaço de fala nessa audiência- explica Jair Barbosa Jr., coordenador Institucional da federação.
O que é a PEC 45?
Segundo a proposta da PEC, caberá ao juiz definir, de acordo com as provas (geralmente a narrativa do policial que fez a abordagem do flagrante), se a pessoa que foi flagrada com algum tipo de droga ilícita responderá por tráfico ou será enquadrada somente como usuária.
A Lei Antidrogas nº 11.343-2006 considera crime comprar, guardar, transportar ou trazer consigo drogas para consumo pessoal. Porém, caso a PEC seja aprovada, a criminalização do usuário passa a integrar a Constituição, ou seja, estará acima da Lei Antidrogas.
A deputada Sâmia defende que a aprovação dessa PEC no Senado foi uma tentativa de impedir a descriminalização do porte de pequenas quantidades de maconha que está em votação no Supremo Tribunal Federal (STF) através do Recurso Extraordinário nº 635658
Este julgamento no STF foi suspenso em março por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O placar da votação é de 5 votos a 3, a favor da descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.
Porém, três ministros ainda precisam votar e não há data definida para retomar o julgamento.
Posicionamentos antiproibicionistas
“Faz 10 anos que nós somos ativistas e vamos à Brasília todos os anos participar de audiências para pedir a regulamentação na esperança de sermos ouvidos para que nossa dor seja aliviada. A dor de uma mãe que perde seu filho para guerra às drogas, a dor de uma mãe que não consegue aliviar a doença do seu filho por falta de acesso à cannabis. São dez anos de opressão, assassinatos, encarceramentos e agora vem um retrocesso desses com essa PEC 45 que propõe a legitimação dessa violência e extermínio do povo preto, pobre e periférico, mas não atinge quem tem 47 kg de haxixe numa empresa ou quem carrega 47 kg de cocaína no avião da FAB (Força Aérea Brasileira). É uma PEC que tem raça, CEP e classe social”, desabafa Cidinha Carvalho, Presidente da Associação de Cannabis e Saúde – CULTIVE e mãe de criança atípica que faz uso terapêutico da planta.
“Estou aqui para discutir os possíveis efeitos e consequências nessa mudança da legislação, considerando que a própria Lei de Drogas é uma lei ruim, pois deixa muito subjetivo o que é a posse e o que é o tráfico, que dá margem para o perfilamento racial em vista do encarceramento no Brasil, pois tivemos um crescimento exponencial do encarceramento de pessoas pretas desde 2006. O que deveríamos fazer é discutir as correções dessa lei e não criminalizar a conduta de usuários. São cerca de 700 mil pessoas presas em celas físicas, sem contar as que estão em regime aberto ou semi aberto e o crime que mais encarcera no Brasil é o de tráfico de drogas. sendo que mais de 80% das pessoas presas por esse crime não tem sequer investigação prévia, ou seja, um policial que na sua ronda, aborda pessoas e encontra alguma quantidade de droga, muitas vezes pequenas quantidades, mas que são presas mesmo sem investigação. É importante lembrar que os policiais são premiados de acordo com o número de prisões e apreensões que eles realizam, ou seja, temos o próprio sistema favorecendo esse tipo de conduta. Após ser presa, na sentença de custódia, pessoas brancas tem um perfil de punição e pessoas pretas outro. A justiça faz o envasamento das sentenças de acordo com a raça. Além disso, é sabido que as facções criminosas atuam de dentro dos presídios e quando o Estado encarcera jovens por serem usuários, estes serão aliciados pelas facções e passarão a fazer parte do crime, passam de usuários para criminosos”, pontua Samira Bueno, Diretora do Fórum de Segurança Pública.
“Essa PEC das Drogas não trata das drogas, não é sobre substâncias, é sempre sobre pessoas e não sobre todas as pessoas que consomem algum tipo de substância, mas algumas pessoas, seus territórios e suas famílias. Eu sugiro outros nomes para essa PEC, o primeiro deles Genocídio, o ano passado o Estado brasileiro matou mais de 6 mil pessoas através da sua força de segurança. Desde a primeira lei proibicionista no Brasil de 1830, chamada de Lei do Pito Pango, que proibia o uso de maconha, já mencionava em seu texto que era direcionada a negros escravizados. Em 1917, Rodrigues Dória, médico e político defendia que a maconha deveria ser proibida pois era vingança do povo preto sobre o branco, pois, segundo eles, os pretos queriam impedir o Brasil de ficar cada vez mais branco como uma forma de se vingarem do processo da escravidão, por isso, sugiro como segundo nome para PEC o termo Supremacia. Além disso, quando se pensa em guerra, se pensa em orçamento e a guerra às drogas demanda muito dinheiro público para sua manutenção. Se pensa em conceitos para definir uma guerra, como é o caso de chamar de efeito colateral o assassinato por policiais de crianças, jovens e mulheres em comunidades periféricas, como é o caso de menino de 11 anos que foi morto dentro de casa por policiais que estavam em uma operação de guerra. O encarceramento em massa é a forma do Estado estar fortalecendo o crime organizado, daí eu pergunto: qual o sentido de senadores e deputados votarem a favor disso? Essa PEC vai seguir matando um determinado grupo racial, vai fortalecer as facções e proteger os brancos que comandam e transportam altas cargas de drogas.”, Dudu Ribeiro, Diretor-Executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.
Para ouvir as outras apresentação da audiência, clique no vídeo abaixo.